ele se fazia de outros
tentava ser outros
ensaiava outros
ora grandiosos
ora frágeis
mas sempre era o princípio
o principal
um dia se cansou, foi pra uma outra cidade
era pequena
voltou pra que era pequena
ele era de uma dessas pequenas
tentou se ser singular
a pediu em casamento
teve filhos
cuidou da fazenda
da pequena
mas continuava ensaiando em seus cantos
pensamentos, as vezes pra ela que o ouvia sem querer se interar por completo do que tratava
ela talvez não quisesse se interar
era de outras formalidades
pra ela existiam paredes
ele contava pros filhos seus atos
preenchia seus atos com todo o seu corpo
eles viam
imagem
a imagem do que pode ser grande numa figura que eles conheram na pequena
parecia tudo uma deliciosa invenção
um corpo presente fabuloso
a imaginação
ele se cansou
deixou a pequena, ela, os filhos
voltou
começou de novo
foi feliz
se cansou
voltou pra pequena
o aceitaram
cansou de novo
voltou
se sentiu pequeno
o corpo já não era tão vigoroso
o pensamento continuava grande
um dia ele sonhou
respirou, seu coração pediu por auxílio mais do que ele podia
e se foi no acalento do sono e da noite.
renata cabral
"hoje pavão, amanhã espanador..."
v
e
r
t
i
c
a
l
i
z
a
r
-
m
e
?

" obrigado, destino, por estas pequenas felicidades"
teodoru badiu

domingo

o domingo é um dia assim. acorda-se com o sabor da noite. voltamos à cama mesmo sabendo que está sol. rebolamos pelo colchão, adormecemos, perdemos noção das horas. depois saímos, vamos ao mercado, olhamos o mar, tomamos um café. limpamos as poucas coisas que existem para limpar, na casa. e no fim da tarefa, com um leve alívio contente pelo esforço físico dispendido, bebe-se água e a cabeça volta a funcionar. a escrever. o domingo é um dia assim.

vocês não ouvem os assustadores gritos ao nosso redor que habitualmente chamamos de silêncio?

prólogo do filme "o enigma de kaspar hauser" de herzog, 1974

the jacksons family
"esperavam muitíssimo, estavam ansiosos por mudar. agora passaram quatro anos e estão muito tristes. não gostam de viver ali porque estão separados. já não é possível a vida da rua, não é possível fazer nada do que faziam, como por exemplo os churrascos, a carne assada... a polícia não deixa, há leis européias que impedem esse tipo de coisas. perderam todo o dinheiro que tinham a comprar móveis e televisores, para reproduzir os modelos das casas das pessoas endinheiradas que limpam.
é tudo um pouco violento, mas não falo de uma violência física, é uma violência de outro gênero. antes não era assim, eram pobres, miseráveis, sem condições mínimas para viver... mas tinham o bairro. o bairro é uma atitude. as pessoas do bairro não gostam de mudar nem de sair, cria-se uma espécie de gueto que se vai ampliando."

excerto de uma entrevista com pedro costa - cineasta,
falando sobre seu "filme juventude em marcha
"
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