endiabrado de bom
- Aquela paz a gente só encontra na morte, no céu cercado de anjo...
- Me escuta, Cristino: quem morre acaba; foi Antônio mesmo quem mandou lhe dizer que a sua cabeça ia rolar no chão.
- Meu Padim Padre Ciço fechou tudo isso aqui; espero Antônio das Mortes, quero me topar com ele de homem pra homem, de Deus pra Diabo. É o Capitão Corisco enfrentando o Dragão da Riqueza. Se eu morrer nasce outro, que nunca pode morrer São Jorge, santo do povo.
- Eu morro pelo senhor, Capitão!; não é tudo a mesma coisa, Sebastião, Virgulino?
- Quer saber de uma coisa?: aquele beato não valia nada.
- Não blasfema, meu Capitão, não blasfema! Meu Padim era maior que o seu Lampião.
- Não mistura Sebastião com Virgulino, não mistura senão eu lhe mato!
- Se o senhor tem uma verdade maior pra dizer pode contar que eu não tenho medo!
- A gente saiu derrotado do Raso da Catarina, eu trazia Virgulino nas costas: "Ezequiel, ...Antônio..." Seus irmãos morreram, Virgulino; de sua raça só tem você vivo! "Os meninos tão sozinhos com a alma penando!, quebrei tudo e não nasceu nada..." Nem vai nascer. Depois de matar a gente se mata. Aquela paz só existe na morte. "Tô ferido de morte, Cristino; tô ferido de morte, Cristino..." Aí cortamos dia e noite, quando de longe apareceu o Sebastião, sozinho e com fome. Tinha deixado os padres no Ceará e fazia a mesma penitência de nosso senhor Jesus Cristo; meteu a mão na frente e foi dar socorro a Lampião. Cuidava da ferida e mandou Virgulino deixar o cangaço pra não morrer. Virgulino não teve medo e invocou o Padim Ciço. Sabe o que o Sebastião respondeu? Que Padim Ciço era inimigo de Deus, que Deus era ele, e aí quis tirar as armas de Lampião, botar uma cruz no lugar. "Te arrespeita, santo safado!" Lampião bateu, cuspiu, chutou a cara dele! "Homem nessa terra só tem validade quando pega nas armas pra mudar o destino; não é com o rosário não, Satanás!: é no rifle, no punhal. Tenho medo de viver sonhando com a luz de bola que joguei em cima do bom e do ruim. Tenho medo do inferno, e das almas penadas que cortei com o meu punhal; tenho medo de ficar triste, e sozinho como gado berrando pro sol; tenho medo, Cristino; tenho medo da escuridão da morte."
um trecho de "deus e o diabo da terra do sol" de glauber. monólogo de othon bastos. ouça.
- Me escuta, Cristino: quem morre acaba; foi Antônio mesmo quem mandou lhe dizer que a sua cabeça ia rolar no chão.
- Meu Padim Padre Ciço fechou tudo isso aqui; espero Antônio das Mortes, quero me topar com ele de homem pra homem, de Deus pra Diabo. É o Capitão Corisco enfrentando o Dragão da Riqueza. Se eu morrer nasce outro, que nunca pode morrer São Jorge, santo do povo.
- Eu morro pelo senhor, Capitão!; não é tudo a mesma coisa, Sebastião, Virgulino?
- Quer saber de uma coisa?: aquele beato não valia nada.
- Não blasfema, meu Capitão, não blasfema! Meu Padim era maior que o seu Lampião.
- Não mistura Sebastião com Virgulino, não mistura senão eu lhe mato!
- Se o senhor tem uma verdade maior pra dizer pode contar que eu não tenho medo!
- A gente saiu derrotado do Raso da Catarina, eu trazia Virgulino nas costas: "Ezequiel, ...Antônio..." Seus irmãos morreram, Virgulino; de sua raça só tem você vivo! "Os meninos tão sozinhos com a alma penando!, quebrei tudo e não nasceu nada..." Nem vai nascer. Depois de matar a gente se mata. Aquela paz só existe na morte. "Tô ferido de morte, Cristino; tô ferido de morte, Cristino..." Aí cortamos dia e noite, quando de longe apareceu o Sebastião, sozinho e com fome. Tinha deixado os padres no Ceará e fazia a mesma penitência de nosso senhor Jesus Cristo; meteu a mão na frente e foi dar socorro a Lampião. Cuidava da ferida e mandou Virgulino deixar o cangaço pra não morrer. Virgulino não teve medo e invocou o Padim Ciço. Sabe o que o Sebastião respondeu? Que Padim Ciço era inimigo de Deus, que Deus era ele, e aí quis tirar as armas de Lampião, botar uma cruz no lugar. "Te arrespeita, santo safado!" Lampião bateu, cuspiu, chutou a cara dele! "Homem nessa terra só tem validade quando pega nas armas pra mudar o destino; não é com o rosário não, Satanás!: é no rifle, no punhal. Tenho medo de viver sonhando com a luz de bola que joguei em cima do bom e do ruim. Tenho medo do inferno, e das almas penadas que cortei com o meu punhal; tenho medo de ficar triste, e sozinho como gado berrando pro sol; tenho medo, Cristino; tenho medo da escuridão da morte."
um trecho de "deus e o diabo da terra do sol" de glauber. monólogo de othon bastos. ouça.
SER HOMEM. ser HOMEM é assim: você acorda, dá uma ajeitada no pau (HOMENS acordam de pau duro!). levanta. escova os dentes. olha os seus dentes. mija. olha pro seu pau. sacode. põe uma roupa qualquer. sai. aí você faz todas as coisas que todo HOMEM faz, todos os dias: você lê alguma coisa, trabalha em algum lugar, encontra alguém que você quer comer…às vezes chora, às vezes faz sexo. pensa muito em sexo. pensa que é um HOMEM legal. de vez em quando morre de rir. de vez em quando coça o saco. aí você sai com uns amigos (homens brancos, mulheres mulatas, bichas pretas, isso não faz muita diferença). bebe uma cerveja. fala do que você leu, do que você trabalhou e principalmente, de quem você quer comer. bebe cervejas, fala de sexo e mija. toda vez que mija, olha pro pau. pensa no tamanho do seu pau. pensa que é um HOMEM legal. algumas vezes que bebe cerveja, chora. algumas vezes que bebe cerveja, consegue comer alguém. aí você volta pra casa. alguns HOMENS dirigem bêbados. outros tomam um táxi. a maioria dorme sozinho. antes de dormir, mija. olha pro pau. deita. ajeita o pau. refaz o dia na cabeça. projeta o dia de amanhã. pensa nos amigos. pensa que não é um HOMEM muito legal. que precisa resolver algumas coisas. que às vezes é um HOMEM- BANANA. que precisa viver mais intensamente. se surpreender. aí você pensa em quem você quer comer. e dorme. sente que é um HOMEM normal.
SER BICHA. ser BICHA é assim: você acorda, dá uma ajeitada no pau (BICHAS acordam de pau duro!). levanta. escova os dentes. olha os seus dentes. mija. olha pro seu pau. sacode. põe uma roupa qualquer. sai. aí você faz todas as coisas que toda BICHA faz, todos os dias: você lê alguma coisa, trabalha em algum lugar, encontra alguém que você quer comer…às vezes chora, às vezes faz sexo. pensa muito em sexo. pensa que é uma BICHA legal. de vez em quando morre de rir. de vez em quando coça o saco. aí você sai com uns amigos (homens brancos, mulheres mulatas, bichas pretas, isso não faz muita diferença). bebe uma cerveja. fala do que você leu, do que você trabalhou e principalmente, de quem você quer comer. bebe cervejas, fala de sexo e mija. toda vez que mija, olha pro pau. pensa no tamanho do seu pau. pensa que é uma BICHA legal. algumas vezes que bebe cerveja, chora. algumas vezes que bebe cerveja, consegue comer alguém. aí você volta pra casa. algumas BICHAS dirigem bêbadas. outras tomam um táxi. a maioria dorme sozinha. antes de dormir, mija. olha pro pau. deita. ajeita o pau. refaz o dia na cabeça. projeta o dia de amanhã. pensa nos amigos. pensa que não é uma BICHA muito legal. que precisa resolver algumas coisas. que às vezes é uma BICHA-BANANA. que precisa viver mais intensamente. se surpreender. aí você pensa em quem você quer comer. e dorme. sente que é uma BICHA normal.
SER PRETO. ser PRETO é assim: você acorda, dá uma ajeitada no pau (PRETOS acordam de pau duro!). levanta. escova os dentes. olha os seus dentes. mija. olha pro seu pau. sacode. põe uma roupa qualquer. sai. aí você faz todas as coisas que todo PRETO faz, todos os dias: você lê alguma coisa, trabalha em algum lugar, encontra alguém que você quer comer…às vezes chora, às vezes faz sexo. pensa muito em sexo. pensa que é um PRETO legal. de vez em quando morre de rir. de vez em quando coça o saco. aí você sai com uns amigos (homens brancos, mulheres mulatas, bichas pretas, isso não faz muita diferença). bebe uma cerveja. fala do que você leu, do que você trabalhou e principalmente, de quem você quer comer. bebe cervejas, fala de sexo e mija. toda vez que mija, olha pro pau. pensa no tamanho do seu pau. pensa que é um PRETO legal. algumas vezes que bebe cerveja, chora. algumas vezes que bebe cerveja, consegue comer alguém. aí você volta pra casa. alguns PRETOS dirigem bêbados. outros tomam um táxi. a maioria dorme sozinho. antes de dormir, mija. olha pro pau. deita. ajeita o pau. refaz o dia na cabeça. projeta o dia de amanhã. pensa nos amigos. pensa que não é um PRETO muito legal. que precisa resolver algumas coisas. que às vezes é um PRETO -BANANA. que precisa viver mais intensamente. se surpreender. aí você pensa em quem você quer comer. e dorme. sente que é um PRETO normal.
SER BICHA. ser BICHA é assim: você acorda, dá uma ajeitada no pau (BICHAS acordam de pau duro!). levanta. escova os dentes. olha os seus dentes. mija. olha pro seu pau. sacode. põe uma roupa qualquer. sai. aí você faz todas as coisas que toda BICHA faz, todos os dias: você lê alguma coisa, trabalha em algum lugar, encontra alguém que você quer comer…às vezes chora, às vezes faz sexo. pensa muito em sexo. pensa que é uma BICHA legal. de vez em quando morre de rir. de vez em quando coça o saco. aí você sai com uns amigos (homens brancos, mulheres mulatas, bichas pretas, isso não faz muita diferença). bebe uma cerveja. fala do que você leu, do que você trabalhou e principalmente, de quem você quer comer. bebe cervejas, fala de sexo e mija. toda vez que mija, olha pro pau. pensa no tamanho do seu pau. pensa que é uma BICHA legal. algumas vezes que bebe cerveja, chora. algumas vezes que bebe cerveja, consegue comer alguém. aí você volta pra casa. algumas BICHAS dirigem bêbadas. outras tomam um táxi. a maioria dorme sozinha. antes de dormir, mija. olha pro pau. deita. ajeita o pau. refaz o dia na cabeça. projeta o dia de amanhã. pensa nos amigos. pensa que não é uma BICHA muito legal. que precisa resolver algumas coisas. que às vezes é uma BICHA-BANANA. que precisa viver mais intensamente. se surpreender. aí você pensa em quem você quer comer. e dorme. sente que é uma BICHA normal.
SER PRETO. ser PRETO é assim: você acorda, dá uma ajeitada no pau (PRETOS acordam de pau duro!). levanta. escova os dentes. olha os seus dentes. mija. olha pro seu pau. sacode. põe uma roupa qualquer. sai. aí você faz todas as coisas que todo PRETO faz, todos os dias: você lê alguma coisa, trabalha em algum lugar, encontra alguém que você quer comer…às vezes chora, às vezes faz sexo. pensa muito em sexo. pensa que é um PRETO legal. de vez em quando morre de rir. de vez em quando coça o saco. aí você sai com uns amigos (homens brancos, mulheres mulatas, bichas pretas, isso não faz muita diferença). bebe uma cerveja. fala do que você leu, do que você trabalhou e principalmente, de quem você quer comer. bebe cervejas, fala de sexo e mija. toda vez que mija, olha pro pau. pensa no tamanho do seu pau. pensa que é um PRETO legal. algumas vezes que bebe cerveja, chora. algumas vezes que bebe cerveja, consegue comer alguém. aí você volta pra casa. alguns PRETOS dirigem bêbados. outros tomam um táxi. a maioria dorme sozinho. antes de dormir, mija. olha pro pau. deita. ajeita o pau. refaz o dia na cabeça. projeta o dia de amanhã. pensa nos amigos. pensa que não é um PRETO muito legal. que precisa resolver algumas coisas. que às vezes é um PRETO -BANANA. que precisa viver mais intensamente. se surpreender. aí você pensa em quem você quer comer. e dorme. sente que é um PRETO normal.
texto de gustavo bones para a montagem
"longa jornada" da confraria de machos
"longa jornada" da confraria de machos