rascunho

matéria frágil é o amor, amor. por exemplo: uma bomba nuclear e ele já era. por isso todo casal deveria antes, durante e depois de tudo ser amigo. só a amizade e as baratas sobreviverão ao fim do mundo do amor.

outra: encantamento é a coisa mais importante do mundo (petróleo nada, os carros são movidos a encantamento). é claro que acho a criatividade a coisa mais importante do mundo, mas vida deveria ser um pedaço de criatividade cercado de encantamento por todos os lados. quero dizer, criatividade é a chama, conquanto encantamento é o fósforo, a caixinha, o sambista… e o paiol.

michelangelo sabia das coisas, vide “a criação do homem”. assim, todo teto é potencialmente uma capela sistina. em suma, encantamento é algo frágil. encantamento é um bichinho de pelúcia que fala, anda e sente e pensa. é uma pessoa de pelúcia. é a pessoa mais linda do mundo de pelúcia. a pessoa mais linda do mundo nua e de polainas de pelúcia. e te amando. encantamento é tesão lírico – ou tesão e lirisimo. mas é frágil como qualquer coisa que morre. cuide do seu encantamento sob risco de virar cimento – ou rima vã. aliteração – ou renavam. enfim, figura de linguagem, retórica, balela, baleia… pois a sombra do encantamento é pesada e esperneia. esmaga sem maldade, mas esmaga, atropela, pisa. tem gente que a gente vê no olhar a sombra do encantamento repisando.

lembrei dos paralamas: “cuide bem do seu amor”. ao contrário dos filmes e do desejo popular, se tiver de ser será, etc, o amor é o eterno pique até a porta do elevador fechando. quer dizer, torça para que tenha alguém lá dentro, que te ouça gritar “segura, por favor!”, e, fundamentalmente, corra na direção dele(a).

porque amor é vida na plenitude, assim, caminha para a morte, seu mar é o fim. delicado jogo esse, sobre o arame sobre o abismo sobre o poema sobre a página sob os olhos. em que aquilo é tudo na vida e ainda se tem a vida inteira – não no sentido de tempo, mas espaço. por isso o casamento é meia pedra no caminho andado para o andor de barro da dor do fim do amor.

há que se ter destreza para equilibrar tantos contorcionistas chineses, bigornas de cristal, tratores de papel, jumbos de mel… o amor é tão sinistro que te faz viver por contraste, oximoro velhaco – vide o texto.

o amor é o eixo da desmáquina. o amor é molhar a mão. o amor é qualquer coisa que qualquer um escreva, enfim. e esse é o perigo. e ainda bem. e ainda mal. e aí dá. mas quem sou eu para falar de roma?

doces bárbaros

crença

deus, não entendo.
curioso acho graça.
quando lembro acredito.

passando portas - luiz gabriel lopes

já chegou fevereiro.
escuto "dias de janeiro" e "6 minutos".
acabou o cigarro.
isso é pra dormir sem poesia e sem reverberação.


na infância pratiquei com fervor a adoração ao tigre; não o tigre cor de pêssego dos camalotes do paraná e da confusão amazônica mas o tigre rajado, asiático, real, que só pode ser enfrentado pelos homens de guerra, encastelados sobre um elefante. costumava demorar-me infindavelmente diante de uma das jaulas no zoológico; apreciava as vastas enciclopédias e os livros de história natural pelo esplendor dos seus tigres. (lembro-me ainda dessas figuras: eu que não posso recordar sem horror o rosto ou sorriso de uma mulher). a infância passou, caducaram os tigres, e a paixão por eles, mas eles ainda permanecem em meus sonhos. nessa lembrança submersa ou caótica, continuam a prevalecer, e assim: adormecido, um sonho qualquer distrai-me e eu sei de imediato que é um sonho. costumo então pensar: este é um sonho, uma pura diversão de minha vontade e, já que tenho um poder ilimitado, vou produzir um tigre.

oh incompetência! meus sonhos nunca sabem engendrar a apetecida fera. aparece o tigre, isso sim, mas dissecado e débil, ou com impuras variações de forma, ou bastante fugaz, ou tirante a cão e a pássaro.

jorge luis borges

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